Adolescentes engravidam em bailes funk dominados pelo tráfico em SP
Garotas de 15 e 16 anos vivem o drama de engravidar durante pancadões. Elas são
parte de grupos de menores que bebem, fazem sexo e usam droga.
Os filhos do funk é o tema da segunda reportagem da série especial do
Jornal da Globo sobre os chamados pancadões em São Paulo. Muitas adolescentes
acabam engravidando nesses bailes funk. A reportagem é de William Santos e
Patrícia Falcoski.
Um beijo, um abraço, um cheiro e um carinho. Faz quatro meses que a
vida é assim. A adolescente tem 16 anos e ser mãe nem passava pela cabeça dela.
Só que em um baile funk...
Repórter: Foi assim: conheceu, ficou, engravidou?
Adolescente: Conheceu, ficou, engravidou. Só que naquele dia eu tinha
bebido, aí eu vi o menino, aí eu falei: ai, amiga, eu quero ficar com aquele
menino. Aí as amigas: vamos lá que eu arranjo para você. Aí eu fui ficar com
ele.
Repórter: Aí rolou?
Adolescente: Aí rolou. Aí nessa veio minha filha. Veio a filha, mas
não o pai.
Repórter: Ele não assumiu?
Adolescente: Ele não assumiu. Falou que não era filha dele. E eu
cheguei a falar que eu fazia DNA, que eu provava que era filha dele. Ele falou:
Não, não vou registrar. Eu falei: Está bom. Eu pego minha filha e registro.
Essa adolescente é uma das muitas meninas engravidam nos bailes funk no estado
de São Paulo. Nós tivemos, de 10 a 14 anos, 3,4 mil meninas que foram mães.
Mães que registraram os seus bebês. Então, o nosso calculo é que 10%, e que são
340, engravidaram no baile funk. Isso representa uma por dia, explica Albertina
Duarte Takiuti, coordenadora do programa da adolescência do estado de São
Paulo. Esse número é de 2013. De lá pra cá, a coordenadora do Programa da
Adolescência do Estado de São Paulo resolveu prestar mais atenção nessas
meninas e pesquisar quem fica grávida nos bailes funk. No mês passado, ela fez
um novo levantamento com 96 jovens e adolescentes que procuraram as casas de
apoio. A pergunta era: "O que você pensa sobre ter relação sexual em
bailes funk?" "O assustador dessa pesquisa é que só 37% condenam o
fato de ter uma relação, ou gravidez no baile funk. Quer dizer, 47% nem acham
nem sim nem não", diz Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa
Os outros 16% disseram que não veem problema em ter relação sexual nos bailes.
"Então são meninas que precocemente nós precisamos fazer o controle de
doenças, desde HIV até sífilis e que realmente elas precisam ter uma atuação
muito rápida, conta Albertina Takiuti. Esses bailes funk, ou fluxos, pancadões,
como os jovens chamam normalmente, acontecem no meio da rua como um que
acontece na Zona Leste de São Paulo. Os moradores contam que tem festa todo fim
de semana. E aí tem adultos e tambémadolescentes. No meio da curtição, os
jovens bebem, usam drogas e muitos fazem sexo na rua mesmo. "Você já
chega, já olha, já vem um monte de menino atrás de você, já te pendido beijo,
oferecendo bebida para você, mandando entrar dentro do carro para sair. Já tive
caso de estar olhando muito para o menino. Aí nós ficava naquela troca de olhar
e nós acabou ficando. A competição é essa: quem fica com mais. A maioria das
meninas é tudo assim: 'Você ficou com um, eu fiquei com dois'. 'Você ficou com
dois, eu fiquei com três', conta a menor. Um menino passou a adolescência indo
para as festas. Ele contou para a equipe de reportagem que fazer sexo nas
festas era comum.
Repórter: Você pensava '"ela pode engravidar"?
Adolescente: Pensava. Eu me prevenia da melhor forma possível. Tinha
amigos meus que geralmente não se prevenia, e ia de qualquer forma, em qualquer
ambiente e qualquer lugar. "Tava" nem aí.
Repórter: E depois?
Adolescente: Depois bate arrependimento. Só que depois era tarde. Para
a coordenadora do Centro de Referência da Infância e Adolescência da
Universidade Federal de São Paulo, não é só uma questão de arrependimento. Ela
acredita que a gravidez na adolescência pode fazer as jovens perderem o interesse
pelos planos, projetos e sonhos. Uma gravidez precoce interrompe um processo de
reflexão de si mesma, dos seus projetos de vida, ela vai ter que trabalhar
psiquicamente uma realidade que é muito pesada, analisa Vera Zimmerman,
psicanalista e coordenadora do Cria (Centro de Referência da Infância e
Adolescência da Unifesp). Uma adolescente está tentando retomar a rotina que
tinha antes de engravidar em um baile funk. Ela tem 15 anos e uma filha de seis
meses. Eu, mãe, parar de ir para o fluxo, parar de sair com minhas amigas. Eu
fiquei pasma. Para mim, ainda não caiu a ficha, entendeu?, conta ela. Enquanto
a ficha não cai, a adolescente vai aprendendo a ser mãe e pai ao mesmo tempo.
Repórter: E ele ainda não assumiu a paternidade?
Adolescente: Não ainda assumiu. Ele não conversa comigo.
Repórter: Até outro dia era você brincando e agora você de fato tendo
essa responsabilidade. P Isso pesa? Você pensa em como vai ser a sua vida daqui
para frente?
Adolescente: Eu penso, sim. Filho é uma coisa
que não pode brincar. Tem que pensar em trabalhar, cuidar, ter
responsabilidade. Quando você tem filho você tem que ter responsabilidade.
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